quarta-feira, 23 de fevereiro de 2011

gérberas à espera.

as pessoas tinham perdido a conta de quantos anos faziam que ele se sentava, todos os dias, naquele mesmo banco de praça. no início ninguém deu importância. e ainda ninguém cogitava dar um palpite, mas ele sabia quantos dias essa espera durava. sabia exatamente quantos foram os dias de chuva, os dias de muito frio, aquele dia que nevou e ninguém viu e todas as manifestações políticas e religiosas daqueles últimos nem sei quantos anos.


não era incômodo para ninguém, e as pessoas respeitavam seu silêncio. desde os donos do café onde ele faziam se desjejum, que ainda eram os mesmos, até a florista, de quem ele comprava a flor singela que levava consigo, que já nem se importava com nada, entretida com seu chiclete.
se era domingo, ou se não haviam flores, ele trazia de casa o pequeno ramalhete num laço de fita e sentava no banco, ainda branco, a contar as horas pelo relógio da iIgreja. era pontual, tinha hora pra chegar e hora de sair.


numa manhã, não faz muito, dessas sem nada de especial, o sol tímido meio às nuvens ainda nem tinha começado a esquentar. faltavam cerca de dez ou quinze minutos, quem sabe, para ele levantar do banco e cabisbaixo contar passos até seu sobrado há umas duas quadras. um táxi pára frente ao casarão onde ela morava.


de dentro dele tiram uma jovem senhora, de olhar calejado mas ainda assim brilhante, e a colocam numa cadeira de rodas na calçada. ele atravessa a praça, sobe a rua e se pára frente a cadeira.


- tu? - ela pergunta
- eu... - ele responde
- tu te atrasou...
- tu nunca mais vieste.
- tenho que entrar, estão a minha espera.
- mais do que eu te esperei? - olhando-a cheio de lembranças - toma. estas flores são pra ti!
- gérberas? gosto de gérberas...

só estas poucas palavras antes de ela ser levada da calçada, sem ao menos lhe contar por que tinha mudado às pressas pra capital naquela mesma manhã que haviam combiando se encontrar na praça. já dentro do casarão, fica sabendo por uma das enfermeiras do ritual diário que ele fazia. teve a certeza que se tivesse ficado mais cinco minutos naquela praça não estaria naquela maldita cadeira de rodas. ela chorou muito na viagem de volta à capital, logo depois de sair do casarão, ainda no mesmo dia.


ele agora andava com a cabeça em pé. e na cabeça um turbilhão de emoções e pensamentos. ele pensava que nem a havia dito como a amava ainda, nem que ela continuava bonita, mas, enfim, ele iria ao casarão na outra manhã, disposto a ouvir e a contar tudo, mas desta vez levaria duas ou três gérberas de cores diferentes.

terça-feira, 8 de fevereiro de 2011

a menina elefante

[...]

'não sou burra, nem feia demais. não grito muito alto em lugares que preferem o silêncio. sigo as regras de etiqueta quando a situação exige. tento ser uma pessoa agradável a maior parte do tempo, mas sou lilás; e pessoas lilases não são bem aceitas. tu não és azul nem rosa... tu és o meio. tu és a vã tentativa disso e daquilo.

tu também serás rotulado como mentiroso, por teres omitido pequenas coisas, pequenas pistas que diriam quem tu és realmente. tu deves ao psicológo por querer ser feliz. sabes como é felicidade ao extremo assusta; e eu assusto os outros.

eu faço doer, aquilo que os outros querem esquecer. me sinto culpada por isso, mesmo sabendo que sou tão inocente quanto ao menino que come doces antes do jantar. cansei de olhares que me censuram. pessoas que não me entendem.

[...]

homens, mulheres, meninas elefantes acabam cedo ou tarde provando que os outros são mais deformados que eles mesmos. sociedade hipócrita. eles podem ser azuis, rosas, amarelos... e eu sempre serei a estranha. azar daqueles que não me aceitam. azar só deles.'